quinta-feira, 13 de maio de 2010

RESENHA DA PALESTRA REALIZADA NO DIA 19/04/2010 NO CEBRI

O FATOR RELIGIOSO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS




Palestrante: Embaixador Luiz Felipe Seixas Corrêa
Diplomata de carreira,é bacharel em direito pela Universidade Cândido Mendes, Rio de Janeiro. No Ministério das Relações Exteriores exerceu funções nos Departamentos das Américas, de Organizações Internacionais, e da Ásia, África e Oceania. Na Presidência da República, ocupou o cargo de Assessor do Chefe de Gabinete Civil e de Assessor Internacional do Presidente. No exterior, serviu nas embaixadas do Brasil em Bonn, Buenos Aires, Washington e Embaixador Representante Permanente em Genebra; e nas missões junto às Nações Unidas, em Nova York; junto à UNESCO, em Paris; e junto à Organização Mundial do Comércio, em Genebra. Como Embaixador, chefiou as embaixadas do Brasil no México, na Espanha, na Argentina e na Alemanha. Foi designado Secretário-Geral das Relações Exteriores em 1992 e de 1999 à 2001. Atualmente, é Embaixador do Brasil junto à Santa Sé.

Presidente da mesa: Embaixador José Botafogo Gonçalves
Presidente do CEBRI.

Texto: Pedro Muniz Pinto Sloboda.

O presente trabalho é dividido em duas partes. A primeira consiste em um resumo meramente descritivo da exposição do embaixador Seixas Corrêa por ocasião da referida palestra, tentando-se ao máximo conservar suas palavras e linha de raciocínio. Sua explanação é, contudo, escrita consoante o entendimento do autor do texto, de modo que qualquer ideia mal compreendida é de única e exclusiva responsabilidade deste. As sentenças entre aspas que não tiverem referência correspondem a palavras usadas pelo embaixador. A segunda parte consiste em breves observações do autor à palestra e ao tema tratado.

PARTE 1

Religião

Civilização e religião são conceitos intimamente ligados. Esta é em verdade uma ligação do homem consigo mesmo, com o outro e com o transcendental, com a divindade. Objetiva levar o ser humano a uma reflexão sobre si mesmo, dando sentido à vida. Nas palavras do embaixador: “O que singulariza uma civilização é o seu conjunto de crenças e costumes religiosos.” A religião é a base por trás dos conceitos de nação, de cultura e de civilização. Ocorre que por vezes essa religiosidade, por conduzir a determinados comportamentos sociais, acaba se confundindo com ideologias, o que abre margem para conflitos. “O poder se vincula à religião”. Dentre os diferentes tipos de poder (econômico, militar ou político), o religioso é o único que controla a mente dos cidadãos, onde cumpre ressaltar o cuidado que se deve ter em evitar a ideologia fundamentalista.




Conflitos do nosso tempo

Porque a questão religiosa merece ser estudada pelos profissionais das relações internacionais e pelos diplomatas? Ora, foi ela a fonte de muitos conflitos históricos e ainda é a coluna vertebral de algumas tensões e até mesmo guerras, inter e intra religiosas. Basta analisar o cenário mundial para detectar tal existência. Os Estados Unidos da América e alguns outros países vêem o islamismo como um inimigo a ser vencido, porque infelizmente o islão aparente é o fundamentalista terrorista, que em verdade corresponde à minoria dos muçulmanos. O conflito indo-paquistanês perdura desde a criação deste país, em 1947, e possui raízes puramente religiosas . Em 1947 a Índia, de maioria hindu, se tornou independente da Grã-Bretanha. Contudo, seu território se viu mutilado pela criação do Paquistão, de população muçulmana. A criação do Estado paquistanês, acarretou no maior êxodo religioso da história, quando os hindus do Paquistão migraram para a Índia e os muçulmanos desta foram para aquele. Derramamentos de sangue se seguiram a essa migração. Como a população islâmica da Índia se encontrava concentrada em duas regiões diferentes, criou-se o Paquistão Ocidental, que corresponde ao território atual do país, e o Paquistão Oriental, encravado em território indiano. Um quarto de século após sua criação, uma guerra varreu o Paquistão Oriental e este virou Bangladesh. O território da Cachemira, entre Índia e Paquistão, é disputado pelos dois países desde a sua separação. No conflito palestino-israelense, principal centro de discórdia na região árabe, observamos a força da religiosidade e do nacionalismo, “os dois fatores que mais levam os homens a atitudes extremas.” Também na China, com relação ao Dalai Lama, e na Rússia, com a Igreja ortodoxa, é possível notar a existência de conflitos de base religiosa. Nesse sentido, cabe a observação do caráter um tanto quanto contraditório das resultantes religiosas. Ao mesmo tempo em que a religiosidade acarreta em um maior respeito aos direitos humanos , também leva a conflitos como os supracitados.


O fenômeno religioso no século XXI

“As Américas estão imersas nesse caldeirão religioso.” Desde os tempos do descobrimento do novo continente, a religião exerce sua influência, a partir da conversão dos indígenas por parte da Igreja católica, como meio de suprimir perdas em termos de números de fiéis ocasionadas pela Reforma Protestante. Durante o Império, os bispos e cardeais eram nomeados pelo Imperador, os homens da Igreja eram pagos como se fossem funcionários públicos, possuindo a Igreja influência preponderante na vida dos cidadãos e na vida do governo. A secularização do país só se deu a partir da proclamação da república, na última década do século XIX.
Durante a guerra fria, os conflitos entre o leste e o oeste não possuíam um viés religioso, sendo caracterizados por outros aspectos. Não obstante, a Igreja não deixou de exercer sua influência na decadência da União Soviética. Após o fim da guerra fria, as religiões voltaram a influenciar mais fortemente as relações internacionais. A resposta do mundo laico tem sido a de resistir a essa tendência. O embaixador Corrêa cita a hesitação em admitir a Turquia na União Europeia como exemplo de tal resistência. Exemplifica também com o caso da França, conhecida como a “filha mais velha da Igreja” que teve seu processo de secularização iniciado na Revolução de 1789, e onde atualmente as famílias não mais praticam a religião rotineiramente em casa. Contudo, a diáspora muçulmana que vive nesse país, mantém vivo seus costumes religiosos. O encontro dessas famílias, que gera um “choque de civilizações”, vem sendo tratado de forma excludente, através de medidas como a proibição da utilização de burcas nas escolas, a proibição de construção de templos, entre outras.
Muitos autores entendem que o mundo pós- Westfália se caracteriza por ser menos religioso, enquanto que outros afirmam que esta religiosidade estará tão presente no século XXI que o caracterizará. Daqui a duzentos anos, os estudiosos tomarão como marco inicial da era em que vivemos a Revolução Iraniana de 1979, passando pelo desgaste acarretado pelos atentados terroristas de 11 de setembro, e verão com importante atenção os conflitos religiosos de nosso tempo. O embaixador Corrêa afirma que o paradigma intelectual desse tempo há de ser o estabelecido por Samuel Huntinton, em seu “Choque de Civilizações”, com um desenvolvimento histórico cíclico, em oposição à majoritária concepção cristã linear da história. Esse choque de civilizações advém do encontro de potências herdeiras de diferentes civilizações. “A globalização não chegou a homogeneizar o mundo.” Nesse contexto, o palestrante expõe acerca dos conflitos entre as três grandes religiões monoteístas do mundo, segundo ele, o cristianismo, o islamismo e o judaísmo. Apesar de possuírem bases e origens em comum, as ideologias delas resultantes, ao passarem a impressão de contrariedade acarretaram séries de conflitos. A Ásia ficaria à margem desse processo. Cabe aqui distinguir o fundamentalismo da laicidade. Na definição do palestrante, aquele seria a mesclagem do poder religioso ao poder temporal, ou seja, a vinculação íntima entre religião e Estado, o que, consoante o próprio pensamento religioso não deveria acontecer. O evangelho traz passagem onde se lê: “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus.” Enunciação esta que deixa óbvia a distinção que deve ser estabelecida entre os dois poderes. O palestrante afirma que a tendência a secularização advém, predominantemente, do cristianismo ocidental e que, apesar de esse processo de formação de Estados laicos não parecer retroceder, a religião exercerá papel dos mais relevantes no século em que vivemos.

Conclusão

As grandes culturas religiosas compartilham uma base ética que deve servir como ponto de apoio para o diálogo. O patrimônio moral da humanidade é compartilhado por todas as religiões, que possuem inúmeras convergências entre si. Nesse sentido pode-se exemplificar com a regra de ouro, comum a todas as correntes religiosas, qual seja: “não faça aos outros o que não deseja para si mesmo e faça aos outros o que deseja para si.” A solução para a maioria dos conflitos religiosos de nosso tempo está, portanto, no diálogo. Trata-se de focar nas convergências e atuar conjuntamente. Destarte, não basta mera compreensão recíproca, é preciso passar para o plano da cooperação. É necessário que se olhe numa mesma direção, e que se persigam os mesmos objetivos, para que possamos evitar uma confrontação global. O principal obstáculo a esse diálogo é que os líderes religiosos, em geral, acham sempre que sua doutrina e que seu ponto de vista é o correto, excluindo o alheio. No que tange a essa dificuldade é imperioso assinalar que basta maior sensibilidade na compreensão do outro, ou seja, uma maior preocupação em procurar os pontos convergentes – que são inúmeros- entre as religiões, para que se instaure o diálogo, e se façam findos os conflitos.

PARTE 2

A palavra religião deriva do latim religare, que significa religar, ligar novamente à divindade. Nesse sentido, qualquer prática que leve o homem a uma maior unidade com a transcendência, com a divindade, é considerada uma religião, no sentido estrito do termo, seja essa prática coincidente com os rituais de alguma religião ou não.
Encontramos de início, pelo simples emprego da palavra, semelhança entre todas as doutrinas religiosas do mundo. Possuem todas a finalidade de desenvolver espiritual e moralmente o homem. Além disso, o desenvolvimento da razão leva o homem a uma melhor compreensão de sua própria natureza e do outro, bem como a um maior grau de ética e tolerância. Não há portanto que se alimentar conflitos irracionais, acarretados pela falta de entendimento do outro e de si mesmo. Se as religiões pregam as mesmas idéias com palavras diferentes, basta olhar para aquelas, e não para estas, para que o acordo se torne óbvio. Não há que haver conflitos entre judaicos e cristãos se Jesus era judeu, nem entre muçulmanos e cristãos se templos islâmicos possuem em suas pilastras inscrições como: “Todo muçulmano tem o dever de proteger seu irmão cristão.” (grifo nosso). Se todos pregam a tolerância e a compaixão, não é óbvia a convivência pacífica?
Em geral, por mais complexo e intrincado que seja o problema, a solução mais sábia é aquela mais simples. Estamos absolutamente convencidos que por mais que muitos dos conflitos religiosos de nosso tempo possuam já histórico de fracasso em suas tentativas de resolução, a solução continua sendo, como conclui o embaixador Corrêa, o diálogo. Mas um diálogo baseado na sensibilidade de compreensão do outro, afinal, o mínimo de estudo crítico de religiões cujos dogmas são aparentemente contrapostos, revela a homogeneidade, não de rituais, mas de ensinamentos de todas as correntes religiosas do mundo. À regra de ouro, exemplificada pelo embaixador, acrescente-se a lei do carma, a imortalidade da alma e outros preceitos em comum. Nesse sentido observamos que diversos espiritualistas, dentre eles Mahatma Gandhi, usavam e usam, em suas reuniões, livros como a Bíblia, o Corão e o Mahabarata , sem distinção entre eles, suportando a ideia de que todas as religiões possuem basicamente os mesmos ensinamentos. Quanto a isso cumpre ressaltar que qualquer livro sagrado está repleto de metáforas e simbolismos, de modo que uma interpretação literal, como a dos fundamentalistas, se faz extremamente perigosa. Apesar de literalmente contraditórios, os ensinamentos contidos nos livros sagrados são fundamentalmente os mesmos. Essa busca pelas convergências deve reger o diálogo. Os líderes religiosos devem embasar-se nessas semelhanças fundamentais, não nas diferenças aparentes, que geram exclusão e intolerância, afinal, como dizia Gandhiji: “Olho por olho o mundo fica cego.”
Muitas das contradições entre membros da comunidade científica e religiosos das mais diferentes doutrinas são meramente aparentes. Senão vejamos, a teoria científica mais aceita sobre o surgimento do homem na Terra é a da evolução das espécies, segundo a qual o processo evolucionário levou milhões e milhões de anos para se concretizar. De outro lado, os teólogos dizem que Deus criou o universo e, consequentemente o homem, em sete dias. Uma análise superficial dessas afirmações revelaria uma contradição entre as mesmas e a natural exclusão de uma delas. Contudo, alguma “sensibilidade” interpretativa revela ser essa contradição apenas ilusória. O mínimo de raciocínio lógico nos leva à conclusão de que se Deus criou os planetas e as estrelas no quarto dia, este não corresponde ao dia terrestre , afinal, tal calendário não poderia ser baseado em astros e estrelas que sequer existiam. Ora, então a quantos anos terrestres corresponde esse dia citado na Bíblia? Talvez possamos responder a essa pergunta recorrendo ao Bagavaghita, um livro sagrado hindu, muito mais antigo que aquele, onde se lê que Brahma criou o universo em sete dias de Brahma, este que corresponde a milhões e milhões de anos terrestres. Ora, comunidades científica e religiosa fazem exatamente a mesma afirmação e qualquer conflito entre elas é mera perda de tempo.
Concluímos, portanto, ratificando a conclusão do expositor da palestra, a melhor solução para os conflitos de nosso tempo é aquela negociada. No que tange ao fator religioso, interpretações não literais, que prezem o consenso e a convergência de posições, como a acima exemplificada devem ser dominantes nas negociações. Os líderes religiosos devem procurar a convivência harmônica de suas correntes que pregam essencialmente os mesmos princípios, quais sejam os desenvolvimentos espiritual, moral e ético da humanidade. Que tamanho desenvolvimento, a convivência pacífica!

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