quinta-feira, 13 de maio de 2010

África: Desafios e novos atores no sistema internacional

No dia 18 de maio de 2010, o monitor de Direito das Relações Internacionais da Universidade Federal Fluminense compareceu à palestra apresentada pelo professor português Fernando Cardoso no Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI), intitulada: África: Desafios e novos atores no sistema internacional. A mesa foi presidida pelo professor Georges Landau, membro do CEBRI. O palestrante é economista, professor catedrático da Universidade João Pessoa, no Porto, doutor pela Universidade de Lisboa e especialista em assuntos africanos.
O palestrante apresentou quatro teses concernentes ao continente africano, a primeira delas sendo a de que se a procura internacional por matéria-prima diminuir, diminui também o nível de crescimento do continente, que vem sendo de 5% a 10% ao ano, nos últimos 10 anos. Essas taxas positivas vêm sendo mantidas pela exportação de produtos energéticos e minerais, de sorte que a sustentabilidade africana revela estrita ligação com o fator externo.
A segunda tese é sustentada pela mudança de discurso dos dirigentes africanos. O paradigma de pensamento predominante vinha sendo o de culpar os estrangeiros pelo atraso africano e de entender que apenas com a ajuda externa o continente poderia crescer. A partir de 1998 e 1999, os pronunciamentos dos líderes políticos já se fazem no sentido de que o povo africano é responsável pelo seu próprio atraso e deve também ser responsável por seu crescimento.
A terceira tese exposta diz respeito à segurança internacional. Nesse sentido, explanou o professor Cardoso acerca do Corno da África, zona estratégica, tanto militar, quanto econômica e comercialmente, devido à proximidade com o Canal de Suez. Os Estados Unidos da América e a França mantêm bases militares nessa região Nordeste do continente, que se revela extremamente conflituosa, podendo-se citar as relações entre o Chade e o Sudão, históricos rivais, as tragédias humanitárias em Darfur, na Etiópia e na Eritréia, sem falar nos piratas da Somália. Do outro lado do continente, na África ocidental, banhada pelo Oceano Atlântico, o principal problema de segurança internacional advém do narcotráfico.
A quarta tese exposta pelo palestrante foi concernente à emergência de novos atores no cenário internacional, no contexto de cooperação internacional para a África. Afirmou o douto professor que governos de muitos países africanos, bem como uma miríade de organizações internas, vivem de ajuda externa. Afirma ainda que, não obstante à afirmação de que esses novos atores seriam os BRIC, em verdade, se resumem eles à China. Argumenta que o Brasil, apesar de sua reivindicação como ator preponderante, não concede ajuda expressiva ao continente africano, oferecendo menos que Portugal, o menos desenvolvido dos países europeus. Cumpre aqui repetir as palavras do doutor português quando afirma que “o discurso assistencialista não pega.” Nesse sentido, conforme a opinião pessoal do professor, a cooperação internacional para com a África não é assistencialista, senão corresponde a um jogo de interesses. A China nesse contexto, se torna o mais importante investidor no continente por necessitar enormemente de matéria-prima de que não dispõe, emprestando dinheiro para os Estados africanos como ajuda concessionária, estando totalmente vinculada a interesses econômicos na região. A potência asiática se interessaria notadamente por petróleo e gás natural, minerais, madeira e terras para agricultura.
Ainda no que tange à ajuda internacional à África, afirma o palestrante que a cooperação técnica oferecida pelo Brasil não é eficiente. Os resultados positivos seriam alcançados por meio de ajuda orçamentária na qual outros países começam a se empenhar. Portugal também oferece ajuda técnica e nesse sentido os dois países de língua portuguesa somos rivais, mormente no campo da educação e nomeadamente em Angola, Moçambique e Cabo Verde. Sendo questionado sobre a cooperação solidária do Brasil, afirma que é ela “uma treta”, repetindo sua opinião de que o assistencialismo não se encontra presente, senão a ponderação de interesses locais. Afirmou que o Brasil possui potencialidade para ser um grande parceiro em muitos países africanos, porque tem capacidade empresarial, técnica e financeira, cabendo citar o exemplo da empresa Vale, que explorará a maior jazida de carvão de Moçambique. Observou-se ao longo da palestra a diferença sensível entre o discurso de acadêmicos e de diplomatas, dificilmente pecando estes por deselegância. Tal fato decorre da maior liberdade que aqueles possuem para emitirem suas opiniões pessoais de modo mais ríspido, por não representarem seu Estado.
Dentre outros assuntos abordados, questionou o palestrante a alegação freqüente de que o problema da África estaria nas suas fronteiras. “Não existem, no mundo, fronteiras boas.” Nenhum território no mundo engloba exatamente um único povo, sem miscigenação, ou sem abarcar diferentes grupos étnicos. Afirma o professor doutor que “a África vive ainda uma crise pós-colonial.” Após o processo de independência dos países africanos na década de 1960, a crise da década de 1970, alavancada por choques petrolíferos, acarretou no início da dívida externa africana. O continente passara então a década seguinte pegando empréstimos junto ao Banco Mundial e ao Fundo Monetário Internacional para saldar suas dívidas. Ainda como conseqüência, os programas de contenção de gastos públicos, acarretando na diminuição do crescimento econômico geraram uma série de crises e conflitos internos, que atingiram mais de 20, dos 54 países africanos. Quanto aos piratas da Somália, não entende o catedrático que ofereçam eles ameaça ao comercia internacional, tendo em vista as esquadras estadunidenses, francesas, indianas, entre outras, patrulhando a região. Assim, os cargueiros capturados não apresentam significância perante as centenas de embarcações que circulam pelo Corno Africano.
A palestra foi finalizada com a explanação de mais uma opinião pessoal do economista lusitano, em tom de conselho ao Itamaraty. Entende ele que o Brasil, em conformidade com suas aspirações a ator global deve empenhar seus melhores esforços no continente objeto de estudo. O Brasil deve estar presentes e se dispor a solucionar conflitos que não o afetam diretamente, mas que envolvem os mais importantes atores internacionais, sendo medidores de lógicas reais de poder. Aconselha-nos, portanto, a investir nossa diplomacia mais qualificada em locais como Djibuti, ponto estratégico entre Etiópia e Eritréia, nações que se envolveram em conflitos que demandaram centenas de milhares de soldados para as zonas de fronteira, Nigéria, principal produtora e exportadora de petróleo, Luanda, estratégica do ponto de vista militar, África do Sul, país mais desenvolvido do continente, Uganda, que comporta embaixadas de todos os países africanos, bem como Moçambique e Angola. As palavras repetidas mais de uma vez pelo palestrante revelam a importância do continente africano no novo cenário internacional: “Se eu fosse do governo brasileiro nomearia meus melhores embaixadores para a África.”


Texto de Pedro Muniz Pinto Sloboda.

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