quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Militares do Egito falam em transição rápida

Os militares egípcios escolheram um comitê de oito pessoas, incluindo um integrante da Irmandade Muçulmana e um importante juiz cristão, para recomendar mudanças na constituição do país, enquanto os partidos de oposição deram os primeiros sinais de que se preparam para as futuras eleições.
A Irmandade Muçulmana informou ontem que pretende se registrar como partido político assim que forem eliminadas as restrições sobre a criação de partidos. O grupo foi expulso da cena política durante o governo do presidente Hosni Mubarak e concorreu nas eleições parlamentares com candidatos independentes.
Enquanto isso, Ayman Nour, chefe do Partido Ghad, de esquerda, anunciou sua candidatura à presidência, a primeira pessoa a fazer isso. O Conselho Supremo das Forças Armadas, formado pelos principais comandantes militares e que tem comandado o Egito desde a renúncia de Mubarak, na sexta-feira, já dissolveu o Parlamento e prometeu realizar novas eleições parlamentares e presidenciais em seis meses.
Nour concorreu contra Mubarak na eleição presidencial de 2005, mas logo depois foi condenado e preso por quatro anos sob acusação de fraude, que opositores políticos do regime alegaram terem sido inventadas.
Trabalhadores de alguns setores importantes continuaram em greve por melhores salários e condições de trabalho. Uma consequência das greves dos bancários é que os bancos egípcios anunciaram que vão permanecer fechados até o fim da semana, prolongando por mais dois dias o fechamento que deveria ter terminado ontem.
Mas ontem foi feriado nacional celebrando o nascimento do profeta Maomé, gerando incerteza quanto à possibilidade de as greves continuarem quando o país voltar hoje ao trabalho. Os militares pediram segunda-feira que os trabalhadores acabassem com a greve, pelo bem da economia.
O conselho militar indicou um juiz aposentado e conhecido historiador, Tareq al-Bishry, para comandar o comitê constitucional. Al-Bishry, de 77 anos, escreveu duas histórias importantes do Egito moderno, incluindo uma que se concentra nas relações entre a maioria muçulmana e a minoria cristã copta.
Ele fez carreira como juiz do Conselho Estatal do país, que julga processos de cidadãos contra o governo.
O comitê recebeu a tarefa de reescrever seis artigos da constituição e não o documento inteiro, como esperavam alguns líderes da oposição.
O comitê deve apresentar emendas a artigos da constituição que cobrem os limites dos mandatos presidenciais e a supervisão judicial das eleições, e também mudar outras partes para coibir o poder do presidente para modificar a constituição e restringir os direitos civis, como transferir processos civis para tribunais militares.
A comissão deve realizar sua primeira sessão de trabalho na manhã de hoje, no Ministério da Defesa. Os militares pediram que ela divulgue suas recomendações em dez dias, segundo o comunicado das Forças Armadas.
Os jovens ativistas do país disseram que os militares os comunicaram de que as mudanças constitucionais serão submetidas a um referendo em dois meses, mas os militares egípcios ainda não confirmaram essa informações.
Autoridades da irmandade disseram que seu partido será de natureza civil e o ingresso não será limitado aos muçulmanos, e que ele vai buscar objetivos ligados a reformar os sistemas educacional, político e previdenciário do país.
"Será um partido civil, não religioso", disse Abdel Moneim Abul Fatouh, uma alta autoridade da Irmandade Muçulmana.
Fatouh reiterou uma promessa feita várias vezes pelas autoridades da irmandade nos últimos dias, de que o grupo não vai disputar a presidência e não tentará obter a maioria no Parlamento.
Outro indício de mudanças dramáticas em curso no Egito surgiu ontem com uma entrevista na televisão estatal com Essam el-Eryan, membro do conselho diretor de 12 pessoas da irmandade. Antes da derrubada de Mubarak, na última sexta-feira, uma aparição como esse seria impensável.
A irmandade aparenta estar trabalhando duro para assegurar aos egípcios de que o grupo não vai usar sua capacidade de organização da base para aproveitar o estado anêmico dos outros partidos oposicionistas do Egito e conquistar uma fatia desmedida do poder nas eleições.
Esses temores quanto à irmandade também ficaram evidentes nas reações de alguns egípcios seculares à composição do comitê constitucional escolhido pelos militares.
Al-Bishry e outro membro da comissão, o professor de direito da Universidade do Cairo Atef al-Bana, são considerados seguidores da moderna escola do pensamento islâmico. Embora ela defenda uma interpretação liberal e progressista do Islã, ela ainda gera desconforto em alguns secularistas que preferem uma separação rígida entre religião e Estado.
Além do desconforto, o único integrante da comissão que tem uma clara filiação partidária é o advogado Sobhi Saleh, um popular integrante da Irmandade Muçulmana que representou a cidade de Alexandria no Parlamento de 2005 a 2010. Nenhum outro partido político foi representado no comitê.
"O que me preocupa um pouco é que apenas a Irmandade Muçulmana seja representada aqui", disse Farid Zahran, um defensor do secularismo que é dono da editora Mahroosa, do Cairo. "O Exército não entende a política egípcia. Há anos que eles ouvem dizer que os islâmicos têm o poder das ruas, então agora que querem agradar às ruas, a única coisa que podem fazer é se aliar aos islâmicos."
Mesmo assim, muitos líderes de oposição aparentam estar confortáveis com a composição do comitê, minimizando as preocupações quanto a seus integrantes mais islâmicos ao afirmar que as ordens do comitê se limitam a um punhado de cláusulas da constituição, que lidam com eleições livres e democráticas.
Abdel Rahman Yousef, importante autoridade do movimento oposicionista Associação Nacional pela Mudança, liderado pelo ex-chefe da Agência Internacional de Energia Atômica Mohamed ElBaradei, considerou a composição do comitê "um excelente sinal vindo dos militares".
"Não há nomes ruins na lista; para mim, isso é suficiente", disse Yousef.
Alguns líderes seculares da oposição esperavam que qualquer reforma constitucional incluísse a retirada de um artigo que declara a lei islâmica a principal fonte de legislação do país.

Fonte: Valor Econômico

Disponível em http://www.valoronline.com.br/impresso/internacional/99/384896/militares-do-egito-falam-em-transicao-rapida

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