by José Miguel Vivanco
“Corre grave perigo o instrumento mais valioso
construído coletivamente neste hemisfério para defender e expandir os direitos
humanos e as liberdades públicas. Trata-se da Comissão Interamericana de
Direitos Humanos (CIDH), a qual, para muitos observadores imparciais, é uma das
poucas instituições da Organização dos Estados Americanos (OEA) que funciona
com credibilidade. A Comissão e a sua Relatoria Especial para a Liberdade de
Expressão (mecanismo que mais irrita alguns governos) são diretamente
responsáveis por importantes avanços em diversas áreas, como a
descriminalização de calúnias e desacato, a anulação de leis de anistia,
reformas do foro militar, acesso às informações de interesse público, e
eliminação de normas discriminatórias.
Ora, se este órgão foi tão bem-sucedido, por que se
empreende uma verdadeira campanha contra ele? Muito simples: porque atingiu
interesses importantes de governos com claras tendências autocráticas ou
suficientemente poderosos para se sentirem desobrigados de prestarem contas de
suas políticas ou práticas a um órgão de supervisão regional.
Lamentavelmente, ao invés de liderar a proteção desta
importante instituição, o Secretário Geral da OEA, José Miguel Insulza, se uniu
àqueles que a debilitam. Se a OEA, atualmente reunida na Bolívia, aprovar o
relatório elaborado pelo Secretário Geral, a independência da Comissão ficará
reduzida, pois será outorgado à Assembleia Geral o poder de redefinir o que a
Comissão e as suas relatorias podem ou não fazer. Insulza propõe reformar o
estatuto da Comissão em áreas-chave, como as intervenções urgentes da Comissão,
a tramitação de casos e – algo que incomoda àqueles que mais violam os direitos
humanos – os relatórios de países. Por exemplo, neste último ponto, o
Secretário Geral propõe que os próprios Estados monitorados pela Comissão
definam os termos dessa supervisão com a possibilidade, além disso, de adiar
por até um ano a publicação desses relatórios, ou seja, condená-los à
irrelevância.
Tais ataques certamente não são novidade. Desde 1993, vêm-se envidando esforços
para desacreditar ou diminuir os poderes da Comissão. Governos de diversos
matizes ideológicos, saudosos da soberania absoluta e do princípio da não
interferência, descobriram a fórmula perfeita: grupos de trabalho
eufemisticamente chamados na OEA de “fortalecimento do sistema de direitos
humanos”, que, ao contrário, buscam o seu enfraquecimento ou até mesmo sua
substituição. Nesse contexto, há governos que abertamente procuram limitar as
principais atribuições da Comissão e de sua Relatoria da Liberdade de
Expressão, bem como governos que a defendem, neutralizando as iniciativas mais
prejudiciais, o que, somado ao apoio da sociedade civil, tem permitido à
Comissão evitar com relativo êxito esses processos inquisitoriais.
Custou um grande esforço manter esta discussão dentro de certos parâmetros, na
suposição de se procurar elaborar recomendações não vinculantes. Durante mais
de 30 anos, o Estatuto da CIDH não foi modificado. Primeiro, por não se
justificar, e segundo, por não haver condições políticas com governos que são
inimigos declarados da Comissão.
A ninguém surpreende que os governos da Aliança
Bolivariana para os Povos da Nossa América (ALBA) estejam satisfeitos com a
possibilidade de participar de um processo de reforma da Comissão e de sua
Relatoria. O que pode surpreender muitos é o fato de o Brasil também
apoiar esta estratégia. É decepcionante que um país com aspirações de
responsabilidades globais, inclusive em direitos humanos, e que afirma sua
adesão ao multilateralismo, continue a boicotar a Comissão depois de esta ter
tido a ousadia de solicitar-lhe informações sobre o impacto de um projeto
hidrelétrico sobre comunidades indígenas do Amazonas.
O Secretário Geral justifica este novo caminho
afirmando que fortalecerá a segurança jurídica e a proteção dos direitos
humanos. A julgar pelo histórico de alguns governos com os próprios cidadãos –
especialmente aqueles que querem perpetuar-se no poder – temo que o Secretário
Geral esteja enganado.”
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