Combate à corrupção de caráter internacional
Por Nadia de Araujo, Lidia Spitz e Carolina Noronha
08/07/2015 - 05:00
Ganhou destaque recentemente a investigação criminal conduzida nos Estados Unidos sobre os atos ilícitos que teriam sido praticados por altos dirigentes da Federação Internacional de Futebol (Fifa). Ao mesmo tempo, no Brasil, a operação Lava Jato acendeu os holofotes sobre a investigação de crimes de caráter internacional envolvendo o pagamento de propina por empresas estrangeiras no país.
Ambos os exemplos evidenciam que a corrupção no mundo corporativo tem sido encarada, atualmente, com a seriedade que merece. E as medidas preventivas e coercitivas à disposição dos Estados têm que se adaptar a uma nova realidade em que a conduta investigada não está mais circunscrita a um único país.
A corrupção é um dos maiores males que acometem as transações internacionais. Os Estados Unidos foram pioneiros na elaboração de uma legislação especificamente voltada para seu combate. O Foreign Corrupt Practices Act (FCPA), em vigor desde 1977, penaliza duramente qualquer tipo de pagamento "por fora do contrato" ou de vantagem indevida oferecida por uma pessoa física ou empresa com o objetivo de viabilizar a conclusão de um negócio. Ainda que a ação tenha ocorrido fora dos Estados Unidos (por exemplo, pagamento de propina para a realização de uma obra em terceiro país), os tribunais norte-americanos se consideram competentes para julgar o crime. A ligação que se exige com os Estados Unidos é tênue, bastando, por exemplo, que uma empresa estrangeira mantenha títulos negociados na bolsa americana para ser alvo do FCPA e se sujeitar à jurisdição do país.
O foco da proteção legal consiste sempre no combate às práticas ilícitas derivadas da corrupção, de modo a assegurar uma conduta ética das partes nas transações internacionais. A percepção é que o negócio que resulta da corrupção causa grandes malefícios à livre concorrência, na medida em que confere a uma das partes vantagens indevidas e inacessíveis às demais, desequilibrando o ambiente de negócios entre os que pagam a propina e os que não pagam. Consequentemente, aumenta-se o custo das transações e, no longo prazo, toda a economia sofre, sendo ainda atingidos os alicerces das instituições públicas, enfraquecendo-se o sistema democrático como um todo.
Sob inspiração da lei americana, houve uma primeira iniciativa de regulamentação da matéria no plano regional da América Latina, no âmbito da Organização dos Estados Americanos. Em 1996, foi concluída a Convenção Interamericana contra a Corrupção, de que são partes 33 países, inclusive os Estados Unidos e o Brasil. Mas logo ficou clara a necessidade de um documento de caráter global, tendo sido, sob a liderança da Organização das Nações Unidas, concluída a Convenção de Mérida contra a Corrupção, em 2003. O Brasil promulgou essa Convenção por meio do Decreto nº 5.687/06. Trata-se de um instrumento com normas especiais direcionadas para a cooperação jurídica internacional penal, cuja finalidade consiste em promover, facilitar e fortalecer as medidas de combate e prevenção ao crime de corrupção, entre outras iniciativas, através da colaboração entre autoridades situadas em países diversos.
Após a adoção da Convenção de Mérida, a legislação infraconstitucional brasileira precisava adequar-se para dotar o sistema vigente de regras efetivas que promovessem o combate à corrupção por meio de políticas coordenadas e eficazes. Assim, em 2013, foi editada a Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846), que tem disposições similares ao FCPA para as ações de caráter extraterritorial. O instrumento tem por objetivo a responsabilização pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, atos que lesionem o patrimônio nacional ou estrangeiro ou, ainda, de atos contrários aos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil.
As instituições internas brasileiras têm consolidado seu relacionamento interinstitucional e transnacional no combate ao crime de corrupção, mediante trabalhos realizados de forma integrada. No âmbito do Ministério Público Federal, atua a Secretaria de Cooperação Jurídica Internacional, ao passo que no Ministério da Justiça, atua o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Internacional, que é a autoridade central brasileira para a maioria dos tratados dessa natureza, além da Polícia Federal. No plano internacional, essas instituições podem ainda contar com o auxílio da Advocacia-Geral da União e do Ministério das Relações Exteriores.
O combate à corrupção em nível internacional foi alçado à prioridade dos governos, sendo cada vez mais frequentes as atividades integradas de cooperação jurídica entre os diversos atores do cenário internacional. Essa é uma realidade que vem sendo aplaudida pela sociedade, obrigando as empresas a um cuidado maior na condução de suas atividades, mas sem dúvida tornando o ambiente de negócios mais equilibrado.
Nadia de Araujo, Lidia Spitz e Carolina Noronha são, respectivamente, doutora em direito internacional pela USP, mestre em direito comparado pela George Washington University, professora associada da PUC-Rio; doutoranda e mestre em direito internacional pela UERJ; e mestranda em direito internacional pela UERJ, sócias de Nadia de Araujo Advogados.
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